Dia desses, ouvi a conversa da minha mãe com minha tia ao telefone:
“Paula foi muito esperta! Casou logo. Casou cedo! É isso que tem que fazer. Eu peço a deus todo dia por um marido pras minhas filhas. Um marido e um emprego. Mas primeiro um marido, né? Antes que elas fiquem velhas porque emprego não tem idade, casamento tem.”
Por um momento, me coloquei no lugar da minha mãe e até entendi o medo dela. Veja bem: filha de fazendeiro, onze irmãos, casou cedo, mudou de estado e exerceu a profissão “mulher de” até se tornar “viúva de”, ainda teve o azar de parir uma louca de pedra logo de primeira – no caso, eu. Sempre dei trabalho. No colégio, na catequese; em casa então, nem se fala! Não levo a mal esse sentimento de querer se livrar logo; até entendo. Nunca se sabe qual será meu próximo passo à beira do penhasco. Coração de mão aguenta tudo, mas não merece essa aflição.
Acontece que esse fato me fez pensar bastante sobre o casamento em si. No tempo dela, as pessoas casavam porque deviam, porque foram criadas para isso. “Porque mulher só fica rica se for herdeira ou casar com homem rico”, como já ouvi. Ou pior, na sórdida categoria provinciana a ideia de que “lugar de mulher é em casa, cuidando dos filhos.” Basicamente, é dizer às claras que mulher precisa ser rica e para ficar rica precisa de um marido rico.
Mas, e hoje em dia que as mulheres exercem profissões ditas como “masculinas” e ganham – geralmente -o mesmo valor que eles, pra que serve um casamento?
Sabe, hoje só casa quem quer. O golpe da barriga não cola mais. E, sinceramente, conhecer alguém que venha com um filho de bagagem não é um empecilho. Pelo menos, não pra mim. Hoje a gente se vira, dá um jeito. Arruma dois empregos, faz uns bicos, troca de faculdade. Hoje a gente decide ser artista da noite pro dia – assim como eu – e larga tudo sem olhar pra trás. Hoje a gente joga na Sena, na bolsa, aposta em um sonho ou no poker. Apesar dos pesares da sociedade que vivemos, ainda assim, temos mais condições de nos ater a nossa própria liberdade. Não é que a coisa ande fácil, mas a gente amadurece. Nem chinelada dói mais.
Casamento, então, não é mais destino, nem obrigação. É o mais admirável ato de amor. Você não precisa se comprometer com uma só pessoa – no caso da nossa cultura – mas, tenta. E tenta porque aquela pessoa, dentre todas que você já conheceu, vale a pena. Tenta porque você não precisou deixar sua vida de lado pra viver a dele, e ele não precisou de esforços monumentais pra ter seu apoio, foi pura cumplicidade. Foi soma e, não, divisão. Você tenta porque é alguém com quem gosta de conversar, e quando todas as suas histórias forem ditas e só lhe sobrarem as rugas da lembrança, ele vai te conhecer no antro do seu silêncio.
Tenta porque te aguentar de tpm vai ser tão difícil quanto aguentá-lo no dia da derrota de seu time. E fazê-lo rir depois de perder uma grande negociação vai ser tão bom quanto aquela declaração em público que você fingiu timidez. Você tenta porque quer ter alguém que não vai engolir em seco ao dizer que você é quem ele quer passar o resto da vida. E mesmo quando cair na rotina e se sentir cansada, você continua tentando por lembrar o quanto seu mundo mudou pra melhor depois que ele entrou. Tudo isso porque quando você casa com alguém, casa com os detalhes e não só com a família ou a nomenclatura, pra que se toda tentativa der errado, na pior das hipóteses, você não vai ter dúvidas de que teve boas razões pra tentar.
Então, minha mãe que não se preocupe, eu quero um casamento. Pode não ser minha prioridade agora. Ou daqui há 10, 20 anos, mas eu quero. E, digo mais: com tudo que eu tenho direito. Véu, grinalda, bolo de três andares, piadas infames da tia solteirona, vergonha alheia de primos distantes. Quero tudo mesmo, sabe? Pétalas de rosas quando eu passar, músicas da Disney tocando (sim, falo sério), nome das solteiras na barra do vestido.
Mas pode ser também que seja só um papel assinado frente a um escrivão. Pode ser que não tenham convidados, só testemunhas. Pode ser que seja a coisa mais sem graça que eu já fiz em toda minha vida, mas ainda assim, sei que vou ficar com o coração apertado.
Casamento não é destino, nem obrigação. Casar é moderno; a gente não precisa. Por isso, quem resolver tentar que seja no seu tempo e pelos motivos certos: a escolha e o amor. Foi-se o tempo em que se jogava o buquê pra decidir nossa sorte.
Rolou um olhinho marejado ao imaginar a pessoa descrita nos motivos de tentarmos compromisso com uma só pessoa.
Lindo texto!