Quando eu o conheci, não o reconheci. Não foi óbvio o bastante pra que se tornasse inesquecível.
Nunca poderei dizer que desde o primeiro momento sabia quem seríamos um pro outro. Não foi mágico como dizem nos filmes, sequer foi romântico.
Deixei de lado o desejo de esbarrar com um amor avassalador na fila do pão. Parei com a mania de procurar em qualquer gesto uma pista do destino que aquele era o cara.
Eu estava à toa, meio de qualquer jeito.
Sinceramente, eu havia perdido um pouco a esperança. Ou, talvez, a inocente vontade de me apaixonar de novo.
Já não tinha mais espaço na minha vida pra me perder em sorrisos falsos, pra desmascarar amores roubados. Não mais me sentia no dever de provar que estava em pé novamente, que um coração inteiro se faz de pequenos pedaços. Milhares deles, por sinal.
Quando o conheci, não o reconheci porque, simplesmente, entendi como ser egoísta. E não me arrependi. Esquecer como pensar por dois é consequência da abstinência.
Aos poucos, me acostumei com o vazio, com a inexistência de duas metades, com uma cama sem lados dispostos.
Ser egoísta é, dentre muitos pesares, o deleite de ser vazia. Meio rebelde, quase inconsequente. Mas capaz de se preencher de qualquer coisa por completo.
Não tinha tempo na minha vida pra ele, nem diálogos imaginários de nós dois. Não estava pronta pra me dividir, tampouco me doar à alguém. Eu também me queria por inteira.
Quando o conheci, não o reconheci porque desenvolvi uma angustiante mania de não me perder. Passei a desviar do menor risco de me desconstruir. Era como se eu não pudesse, nem por segundo, titubear.
Ensaiava piadas infames e risadas de deboche pra me defender de quem tentasse se envolver. Acontece que ser egoísta também é tecer uma teia de inseguranças. Ser tão centrada em si é a falta de espontaneidade. É o medo de deixar de ganhar em situações que não se tem nada em jogo.
E eu apostava todas minhas fichas na minha confortável solidão. Porque me parecia muito melhor noites sozinhas do que dias de aflições por sentimentos questionáveis.
Quando o conheci, não o reconheci porque, honestamente, eu estava sobretudo cansada. Cansada de me fazer acreditar em mentiras deslavadas, em desculpas esfarrapadas. Eu estava cansada da teoria que não se põe em prática, de fingir sentimentos que nunca tive e omitir à sete chaves todos aqueles que me consumiam aos poucos.
Estive cansada de tentar e de entender minhas escolhas por tanto tempo quanto pude culpar aos céus por tê-las tido. Ou pelo tempo que já não me bastava mais crer em santos, destinos e até anjos.
E toda culpa que senti por não ter com o que preencher a metade que nunca me faltou, deu lugar ao cansaço da alma sobre o corpo. Da mente sobre o espírito. Eu decidi, em secreto desafio às crenças, que não procuraria mais ouvir sinos em beijos, nem descompensadas serenatas na janela.
Quando eu o conheci, não o reconheci porque já havia me desfeito de grande parte do meu passado, de pessoas que não valeram a pena, das roupas que ficaram apertadas e das pedras que juntei no caminho. Sem que coubesse em mim planos de um futuro próximo e sequer o descontentamento. Eu estava à toa, meio de qualquer jeito.
Quando eu o conheci, ignorei a força com que meu coração batia e a incontrolável crise de riso que senti. Eu duvidei de minha própria sanidade e do fardo que mantive intacto dos relacionamentos anteriores. Suei de mãos frias e de nervoso bati o queixo.
Eu fantasiei a contragosto o retrato do meu passado. Voltei no tempo, ao dia em que me perdi em desespero e furiosa jurei nunca mais passar por isso e nem assim pude me conter. Eu não sabia que era ele.
Despretensiosamente, não sabia que era ele porque deixei de acreditar que deveria ter alguém feito pra mim e que juras de amor eterno me dariam um pra sempre. Eu calada fiquei quanto as expectativas, quanto todas as tentativas.
Finalmente, eu entendi porque eu tive que desacreditar de tudo para acreditar em nós; enquanto eu estava à toa, era ele que me procurava. E eu nunca o teria reconhecido se não tivesse parado de juntar meus cacos.