Eu devia ter me despedido. Não sei exatamente porque, mas algo dentro de mim se arrepende de não tê-lo feito. Talvez eu seja só mais um emaranhado de rituais aprendidos inconscientemente para nossa suposta sobrevivência. Mesmo assim, recusei-me a segui-los. Recusei-me ao velório, ao enterro, aos pêsames. Ele estava tão vivo dentro de mim que, honestamente, aquilo parecia absurdo. Meu maior medo era que a morte fosse o fim, não só do plano terreno, não só dos planos futuros, mas do sentimento. Se eu sentisse aquilo se esvair, juro que perderia a razão. Mas nada mudou nesse sentido, de uma forma tão surpreendente quanto inacreditável. Adotei a frase “nunca deixa que lhe digam que você perdeu alguém só porque não pode vê-lo”.
Fiz ali, uma nova amiga, e é muito provável que você, se já passou pelo mesmo que eu, não compreenda nada do que vou falar: a morte não é sua principal rival. Aliás, sejamos francos, não há como vencê-la, então se opor com relutância a sua existência é viver na ignorância. Para alguns funciona, de fato. Talvez me falte a fé para crer que é possível driblá-la ou que haja qualquer sentido em fazê-lo. É o ciclo natural da vida. Nem o bem ou mal existem por si sós, um é apenas a ausência do outro. Somos inteiramente metades, quartos, quíntuplos, mil. E somos um. Dito isso, para mim, a imortalidade é uma questão de sentir, de ser. Você jamais desaparecerá do coração de quem te amou, assim como, todos aqueles que significaram-te algo sempre permanecerão vivos.
Confesso que, a princípio, a morte e eu tivemos uma relação conturbada. Eu achava que ter o conhecimento sobre ela era o mesmo que ter o controle. Eu a desafiava. Depois descobri que isso era até comum acontecer com adolescentes que perderam os pais cedo: a revolta. Eu não tinha medo. De nada. Parte de mim acreditava que quando fosse a minha hora, eu nada poderia fazer para evitar. Não que eu discorde disso hoje em dia em certos casos, no entanto, aprendi que é estupidez dar chance ao azar. Não temos como fazer do destino instrumento da nossa vontade, tampouco, aliado. Às vezes, não vai haver justiça, não vai haver compaixão, quem dirá, um adeus. Estamos sujeitos; somos meros sujeitos.
Nove anos já se passaram, e como passou rápido. Me sinto completamente desperta, pulsante. Meu coração ainda palpita, em todos os sentidos, e isso é o que me mantém viva. Eu já fui dilacerada pelo sofrimento, massacrada à queima roupa por meus próprios sonhos. Honestamente, não foi ficando mais fácil. Eu que fui me tornando cada vez mais forte. Clichê, eu sei. Mas se não fosse verdade como seria clichê? A morte já me levou outras pessoas. Normal. Mas dessa vez não tenho arrependimentos. Eu amei. Eu amo. Tão desesperadamente quanto insano, tão merecido quanto leviano. Tanto digo quanto demonstro; laços que se eternizam no peito, rompem qualquer distância.
Não a culpo, sabe? Talvez, se não por ela como eu aprenderia a valorizar quem tenho ao lado? Esperar perder é tão covarde, ainda que não seja no sentido literal. Vivemos em um mundo de grandezas mensuradas em reais e virtudes distorcidas em aparências. Tudo o que somos é meramente o que fazemos por quem temos ao lado, essa é a grande verdade. Tem gente que vive pensando em outro sem nunca lhe dizer. Joguinhos que dizem “ele só vai me dar valor quando me perder”. Esquecer se tornou uma necessidade, sobrevivência. Como sobreviver vazio pode ser melhor do que viver de amor? Esgote-se tentando ser feliz, mas não desista por medo de sofrer. É normal.
Ando com a morte em um bolso e a saudade no outro, não posso evitar nenhuma das duas. Às vezes, converso com elas, peço um pouco de calma. E sigo escrevendo sobre as coisas que sinto, que não controlo ou que minto e, de vez em quando, ouço que ajudei alguém. Então, respiro fundo.
Pai, eu ando cumprindo minha missão. Obrigada por me salvar. Você fez do amor o meu propósito, ele está dentro de nós.