Essa é a história de Ana Clara e Rodrigo, mas não é uma história pra quem acredita em destino.
Dentre todas as cidades, dentre todos centros empresariais, dentre todas as agências de publicidade, dentre todas os andares, dentre todos os setores, dentre todas as salas, Ana Clara, em seu primeiro dia, sentou na mesa ao lado de Rodrigo. E dentre todas suas possíveis reações com a presença da novata, ele a recebeu com um sorriso. Que sorriso! Diz ela que quando o viu de bochechas vermelhas e olhos comprimidos já soube: era ele. De alguma forma, era ele. Rodrigo havia despertado um sentimento em Ana Clara que alguns chamariam de paixão. À primeira vista mesmo, sabe? Nua, crua, quase imaculada. Outros, quem sabe, chamariam de imaginação.
Há quem não acredite que essa paixão de fato exista, mas não Ana Clara, ela cegamente acreditava. Aliás, de tão cega que se fazia já havia se apaixonado por qualidades que nunca viu. O que tornava louvável seu terrível esquecimento que a levava a insensatez romântica. Você sabe, isso não é de todo ruim, afinal, se você nunca tivesse se esquecido da sua primeira decepção como encontraria forças para se apaixonar de novo? Então, podemos dizer que era essa paixão que movia Ana Clara a um ponto de, muitas vezes, ela perder o controle da própria vida.
Contabilizando foram três cafés nos intervalos, um happy hour na sexta feira, dois encontros casuais no elevador e uma carona numa noite chuvosa. Mas, para Ana Clara foram dois meses. Dois incríveis meses em que ela o conheceu melhor, que soube que ele também adorava The Rasmus e lia Fitzgerald na fila do banco, que coincidentemente frequentavam o mesmo bar há anos e nunca sequer tinha se visto. Ana Clara logo imaginava que não era pra ter sido antes, não devia ter sido antes. Tinha que ser agora, tanta pista do acaso assim só podia ser destino.
Quando Ana Clara o via se iluminava, abria um sorriso, cantarolava mentalmente. Estava na cara o quanto ela se bastava na presença dele, dizia ela. Rodrigo sabia, não sabia? Quer dizer, homens sentem essas coisas assim como as mulheres, não é? Não era possível que ele nunca tivesse notado a informalidade dos e-mails dela ou a delicadeza com que lhe preparava um café e como já havia notado seus favoritismos ou como se entorpecia ao ouvi-lo dissertar sobre qualquer coisa. Não era possível que os sinais que ela dava não fossem vistos e sentidos por ele, era?
“Coloque ele na parede, chame-o pra sair. Faça alguma coisa!”, uma amiga lhe disse. Mas Ana Clara já havia se acostumado com esse sentimento e com o conforto que sentia em tê-lo por perto; não queria assustá-lo, não queria afastá-lo. Por isso, sequer percebia os meses que se passavam. Aliás, sinceramente, ela nunca foi boa com horas, nem com o tempo. Tinha uma inenarrável mania de atraso, quase um carma, em que poderia culpar a deus e ao mundo menos a si mesma. “Você não consegue controlar seu tempo porque não controla sua vida!”, seu pai sempre lhe dizia. Ana Clara já estava acostumada em se deixar levar pelo tempo, e não em leva-lo consigo. Ela ainda não havia percebido que o único tempo que lhe pertencia era o agora, tanto é que vivia perdida entre o “ontem eu devia ter feito” e o “de amanhã não passa”.
Certa quinta feira não foi diferente, chegou muito atrasada ao escritório com seus projetos deixando rastros pelo chão e sua respiração ofegante. Mas, ironicamente, por sorte ninguém a notou pois estavam envoltos do Rodrigo. Algo de incrível havia acontecido. Quando Ana Clara percebeu que o assunto era ele abriu espaço entre as pessoas para vê-lo. Não pôde evitar, sua cabeça estava a mil. O que ele podia ter feito? Será que fora promovido? Será que havia feito algo para ela? O que quer que fosse Ana clara imaginava que fosse deixa-la feliz.
No entanto, não foi exatamente assim que se sentiu quando viu reluzir uma aliança em seu dedo. Rodrigo ficara noivo, e Ana Clara ficara aos cacos. Correu o mais rápido que pôde ao banheiro onde passou uma boa hora aos prantos no repeat de sua playlist da Taylor Swift. “Você devia ter falado com ele sobre isso! Sobre vocês! Eu te disse o tempo todo…”, sua amiga lhe dizia ao telefone. Ana Clara então percebeu que realmente devia ter feito algo. Aliás, que talvez ainda pudesse fazer algo. Não era tarde, não podia ser tarde. Recuperou-se, limpou a maquiagem, se recompôs e voltou ao escritório. Chamaria Rodrigo para almoçar, abriria o jogo com ele, o questionaria como fora capaz de dar esperanças a ela se estava com outra, como pôde brincar com seus sentimentos e tantas outras coisas que não podia enumerar sem cair em choro.
Acontece que Rodrigo já havia saído para almoçar e por essa Ana Clara não esperava. Ele fora cedo demais, ela sabia todos seus horários. Devia ser o destino lhe pregando uma peça, lhe castigando por ter se acovardado por tanto tempo. Aproveitou-se da situação pra pensar melhor. Resolveu ir a sua livraria preferida, abstrair um pouco a mente e no final do expediente falaria com ele. Não era tarde ainda, não podia ser tarde.
Dentre todos os caminhos, dentre todas as ruas, dentre todas as curvas, dentre todos os sinais, dentre todos os carros, o que estava parado na sua frente era do Rodrigo. Ana Clara paralisou-se e vibrou baixinho. Isso, destino! Era agora, tinha que ser agora. Isso era um sinal, isso era uma resposta. Isso era uma ajudinha divina. Só podia ser. Precisava chamar a atenção dele, precisava pará-lo, precisava falar com ele, precisava dele. Pôs o pé no acelerador, bateria em sua traseira fingindo displicência, trocariam os números de celular, teriam que se falar fora do expediente e eventualmente falariam deles. Era isso, tinha que ser isso. Quer dizer, se a vida lhe der limões, você faz uma limonada, não é isso que dizem? O destino estava lá, agora era a vez dela.
Talvez, se tivesse feito isso há alguns meses eles tivessem saído juntos como casal. Talvez tivessem ido ao cinema. Talvez, ele segurasse sua mão pela rua na saída e lhe beijasse a nuca. Talvez, ela tivesse conhecido seu apartamento que já havia idealizado pelas descrições. Talvez tivessem acordado lado a lado e chegassem ao trabalho juntos. Talvez preparassem o almoço um do outro pois não esperavam por outra companhia. Talvez, ela passasse a acompanha-lo em suas corridas pós expediente. Talvez, ele a visitasse de surpresa nos sábados. Talvez perdessem noites em discussões sobre seus interesses em comum. Talvez, ela já tivesse se desfeito daquela gravata azul dele que odiava. Talvez, ele elogiasse seu corte de cabelo da semana passada. Talvez, ele enfim admitisse o que sentia por ela. Talvez fosse ela agora com uma aliança dele. Ou talvez era pra ser assim, e a história deles começaria agora.
Mas Ana Clara só despertou do seu devaneio quando ouviu o motor do carro de Rodrigo rugir, e sua figura diminuir rapidamente até sumir da sua frente. Com as mãos trêmulas e o coração na mão, ela ainda estava parada no sinal. Bateu com a cabeça no volante pela raiva que sentia de si mesma por mais uma vez ter se contentado com a imaginação. Ela sabia que era paixão, então porque se deixava levar pela fantasia? Cuspiu três palavrões ao vento, tateou o Cigarro De Emergência no porta-luvas e soltou o freio de mão. Sentia-se fraca, sentia raiva, sentia medo. Sentia que não iria mais atrás, que isso era um outro sinal e que o destino havia lhe pregado outra peça. Jamais acreditaria nele novamente, que fosse para o inferno toda sintonia, astrologia, compatibilidade e as coincidências.
Um estrondo a fez soltar o cigarro da boca e sentir a força do cinto em seu peito. Olhou pelo retrovisor em fúria. Sinceramente, isso era só o que faltava mesmo para acabar com seu dia! Desceu do carro pisando forte, mas ainda de pernas bambas. Talvez fosse castigo, carma. Ou talvez fosse o acaso, mas quem batera em seu carro e, dentre todas as reações possíveis lhe ofertou um sorriso junto ao seu telefone rabiscado em um cartão fora Jorge da sala ao lado da sua. E que sorriso!
Essa é a história de Ana Clara e Rodrigo, mas não é uma história pra quem acredita em destino. Essa é uma história pra quem acredita em amor e persegue o destino.