Tenho a mania de ver o lado bom das coisas, adquiri com o tempo, mas não considero nem de longe otimismo. Pra mim, é puramente uma condição de sobrevivência. Só eu sei quantas vezes resisti e planejei uma fuga diante de um beco sem saída. Nem sempre soube o que estava fazendo, mas não me rendia ao tentar só mais uma vez. Quando eu caía quando criança meus pais me mandavam repetir que não doeu, e mesmo doendo, eu me levantava rindo. Hoje, se eu caio, sei que não há dor que me impeça de levantar, por isso continuo sorrindo.

Engraçado é perceber como minhas convicções mudaram ao longo dos anos. Já cheguei a pensar que paixão fosse coisa de adolescente. Depois de uma certa idade e um tanto de tapas na cara, o coração não se atreveria a isso. Já acreditei que se envolver fosse puramente uma escolha, que pudéssemos controlar fio a fio o que se passa dentro e fora do peito, além da nossa própria mente. Já ignorei aquele arrepio na espinha que revela a química dos corpos; era bobagem minha ou uma dose de vodca. Já mantive planos por tempo o suficiente até tornarem-se obsoletos, tinha a impressão de que ao desistir de algo havia fracassado. Já disfarcei a fissura de reconhecer um rosto -não qualquer um, mas aquele bendito rosto – em meio a multidão. Já mantive a calma quando deveria ter expulsado o orgulho aos berros. Já gritei aos prantos quando deveria ter apenas respirado fundo.

Meu coração foi quem pagou o preço; tornou-se frio, calejado, desconfiado. Mas essa vida amarga nunca combinou comigo, sou a atriz que nunca foi nomeada ao óscar: se for preciso, eu finjo, mas não me rendo ao sofrimento. E de tanto buscar sorrir de tudo, percebi o quão leve é carregar amor por aí. Não é todo mundo que aceita de mão beijada, não é todo mundo que o entende, o problema é esse, mas a gente não pode se focar no problema. A gente tem que fazer a nossa parte, manter a nossa consciência em paz. Não somos responsáveis pela forma como as pessoas nos veem; quem não está interessado vê maldade até nas melhores das intenções.

Descobri que nem sempre, por pior que seja admitir, se trata de amor, determinação ou espiritualidade. É uma questão de timing: as melhores escolhas podem ser feitas na hora errada e te fazerem acreditar que não foram certas. Parei de dar chance ao azar, me preocupar demais com o que havia passado ou especular um futuro que não depende só de mim. Aprendi a confiar cada vez mais na minha intuição e passei a ouvir com mais cuidado meu coração. Prefiro dar um passo de cada vez e saber onde estou pisando do que seguir o rastro dos outros. Foi então que eu aprendi que mesmo um coração cheio de amor é incapaz de amar por dois, mas se souber se amar por inteiro nem sequer vai precisar do amor dos outros. Então a gente pode distribuir, sim, sem pena. Porque a fabricação é própria e se alimenta da reciprocidade de quem lhe cativa.

Timing é não alimentar angústias, não reprimir sentimentos. É fazer as pazes com sua consciência. É ser grato todos os dias. É reconhecer a força do tempo sob nossas vidas. É, sobretudo, valorizar cada instante. Somos infinitos ao respeitar a velocidade com que a vida passa. Não podemos controlar tudo, só nos resta aproveitar a viagem. Cedo ou tarde, a gente precisa aceitar que nosso relógio interno tem seu próprio tempo e, às vezes, os ponteiros não estão ao nosso favor, mas mesmo que nos sintamos quebrados, ainda temos a chance de acertar.

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