Eu não senti nada notável quando te vi, nem um arrepio me percorreu o corpo e nem compus um futuro a dois em meio segundo. No entanto, lembro com exatidão do instante que seus ambiciosos planos de mudar o mundo me convenceram a ficar. No hiato do seu esforço contínuo de me conquistar, eu me entreguei. Quando percebi que o silêncio se arrastava sem qualquer preocupação de ser preenchido com palavras nervosas, eu soube que havia sido vencida. Às vezes, por menos que um gesto a gente já se despede da muralha erguida para nos entreter. Honestamente, a gente só quer que dê certo pra gente, e por mais duras que sejamos, até mesmo duas rochas que colidem acabam por faiscar. E no fundo, essa esperança que se acende é tudo que a gente procura.
Como eu queria mudar essa história! Você não faz ideia. Eu quis tanto que desse certo que nem preciso fechar os olhos pra te ver parado no vão da porta outra vez; metade da mente fora, metade do coração dentro. E todas infinitas possibilidades que eu tinha de ter feito mais, de fato, iriam adiantar? Acho que o problema maior foi esse – ou talvez seja esse – sempre fui orgulhosa demais para apostar todas as fichas. Mas, você bem sabe, um relacionamento nunca se faz a dois. O que já sorrimos para outros olhares conta. O que já sonhamos em outros corpos também. Não existe essa de recomeço, somos o meio. Às vezes, o fim. Cansados demais para tecer um novo drama nos baseamos no que já vivemos. Já estamos feitos.
No início, eu só queria alguém, sabe? Alguém que eu pudesse compartilhar uma garrafa de vinho sem me preocupar com o gradual histerismo da minha risada. Aliás, alguém que me fizesse rir, assim: enlouquecidamente. Alguém pra andar de mãos dadas, compartilhar o que só digo em voz alta quando estou sozinha. Inclusive, alguém que não deixasse eu me sentir sozinha mesmo à distância. Com o tempo, eu só queria você no lugar de todo alguém que eu encontrava. Não era a mesma coisa, mas era alguma coisa e, às vezes, isso me bastava. Mas o pior é que continuo querendo você com a mesma vontade.
Já me convenci de que não éramos para dar certo. Eu apagava os erros com outros, tão meus quanto seus. Insistia. Perdoava. O problema do perdão é que a gente não esquece, só enumera os motivos pelos quais vale a pena tentar mais uma vez. Acontece que se a gente enumera não é amor, é apego. Não se justifica prós em uma lista negra. Quando alguém nos faz bem, a gente sabe. Nos sentimos agradecidos, sortudos. No entanto, com você eu me sentia vitoriosa como se valesse de algo o placar imaginário de pontos em que tive a razão. Como se compensasse nossas reconciliações manipuladas. Você já sabia o que dizer pra me agradar, eu já sabia o que manter pra te afetar. O amor não é um jogo e, por isso, toda vez que tentava te ganhar me perdia mais um pouco.
Em razão da saudade que me arregaça o peito sem dó, eu não volto atrás. Talvez fosse esse o empecilho: sempre fui orgulhosa demais pra ceder uma vida inteira por meia história. Ou talvez ainda seja. Mas vou em passos curtos, por vezes lentos, seguindo em frente. Ninguém sabe do esforço que faço para não sucumbir a vontade de não te ligar agora ou do desvio no meu caminho que cruzaria com tua rua. Essa é a questão: só eu sei. Você sequer algum dia soube. Não dá pra recompensar algo que nunca foi dado, não é mesmo? Te dei bons momentos, cafunés intermináveis, sussurros ao pé da orelha. Porém, nunca te dei certeza, pois não é uma coisa que se pode prometer, é uma ponte que se ergue naturalmente pra conectar dois sobreviventes. Mas nós éramos dois desistentes lutando para sobreviver.
Eventualmente, eu vou me esquecer do teu cheiro, do susto que ainda levo quando não te encontro ao meu lado na cama. E vou acreditar que foi melhor assim. Afinal, nada pode ser pior do que passar o resto da vida se lamentando pelo o que poderia ter sido com alguém. Então, quer a gente queira ou não, vai ser melhor assim porque tem que ser melhor assim. Um dia a mais, outro a menos, a gente acaba aceitando que nem toda saudade vale a pena.