bem

Juro. Pensei que não suportaria aquele golpe quase mortal que ele me deu. Jurei que ali seria o meu fim. Ao menos era assim que eu costumava pensar nas nossas costumeiras brigas; “se ele me deixar, morro. Juro, eu morro.” Não conseguia imaginar uma vida sem ele. Falava para mim mesma “nunca o deixe ir”.

Assim, eu sempre abdicava dos meus quereres pra vê-lo feliz. Eu sempre cedia aos nossos desentendimentos. Parecia um plano infalível para nunca o ver partir; jogar fora todos os meus desejos e vontades em troca dos dele.

Aparentemente, meu plano infalível fora arquitetado pelo Cebolinha.

O plano falhou.

Naquela noite de setembro, a sutileza do vento desgrenhava o meu cabelo; mas não me importava, meus olhos o viam e isso já era suficiente. Naquele banco a beira mar, sentados, eu e ele; as ondas pareciam preguiçosas, a lua triste, as poucas árvores pareciam me confidenciar algo. – Eu devia ter previsto.

O ponto de início da nossa relação, mesmo lugar do primeiro beijo, fora o mesmo usado para enterrar o nosso amor.

Acredito, foi possível sentir o cheiro do sangue derramado quando ele arrancou meu coração. Em meio a toda aquela tempestade de palavras, por ele pronunciadas, apenas algumas me foram compreensíveis: “a outra”, “melhor do que você”, “você nunca será”, “adeus”.

Não entendi o porquê daquilo.

– Outra? Deus, o que eu fiz para merecer isso? Eu sempre fiz tudo do jeito que ele pediu. Sempre. Agarrei- me a culpa de todas as nossas brigas mesmo sendo inocente. Onde? Como eu errei? Como?

Não sei. Ele só partiu e eu fiquei; estática, imóvel. Aquele momento foi indigesto, amargo, quente, pesado demais para as minhas entranhas. A sensação de vazio tomava posse do meu corpo, sufocava. – Nada poderia ser tão intenso?

Quando, enfim, me percebi sozinha; olhei ao redor. Será que alguém presenciou o fim da minha vida? Também não sei, devo ter ficado invisível à ausência dele.

Sorte minha que o caminho para casa é o único que não se esquece. – Ah, Deus. O caminho que por tempos percorremos de mãos dadas, tive de fazer sozinha.

Eu só queria chegar ao aconchego do meu quarto, desabar e esperar a morte vir me beijar. Parecia que quanto mais passos eu dava em direção ao meu fim, mais distante ficava. Eu sabia que no momento que eu cedesse ao que me sufocava, iria me perder em meio a dor.

Minha casa, meu quarto, meu travesseiro, algo tinha que ser meu.

Eu, como um vulto, adentrei minha casa em direção ao meu quarto, abarrotado de fotos, corações e declarações. Eu insistia em deixar o nosso amor escancarado.

Deitei. Respirei. Não chorei.

– Como assim? Onde estão minhas lágrimas? Cadê o meu fim? – Eu ensaiei isso. Eu sabia que no dia que ele partisse, eu morreria -. Cadê a dor de perder. Cadê?

– Lágrimas escorram, a vida acabou!

Respirei mais fundo, dessa vez chorei…de alívio. Não era dor o que eu estava reprimindo, era alívio.

– Meu Deus, nunca foi tão fácil respirar.

Respirei ainda mais fundo…sorri.

– Não isso não fazia sentido. Ele me traiu. Trocou-me por outra, porque não dói? – Dor, eu deveria sentir dor.

Fechei os olhos e apenas senti. Sim, era alívio.

A preocupação em ser perfeita e de nunca o perder, fez eu esquecer de mim mesma. Agora eu podia ver. Sorri e em meio às lágrimas de alívio, disse: “Meu Deus, eu estou bem!”. As palavras eram como soluços em meio à descrença daquele momento.

Não sei ao certo quanto tempo se passou, ocupei – me demais com o alívio que queimava e voltava a pulsar minhas veias.

Talvez tenham passado alguns dias ou outros tantos mais. Eu não me importei com os comentários. Todos sabiam que eu fui trocada, mas isso não me afetou.

Mais outros tantos dias, eu a vi com ele. Não doeu. Eu só pude pensar: “Meu Deus, eu estou bem” – ainda incrédula.

O fato é, ocupei- me demais em ser o melhor para ele, então deixei de observar que eu já não o queria. Foquei tanto no meu plano insensato, que me esqueci de olhar os tantos defeitos dele e tais defeitos não condiziam com os meus. Presa à ilusão de não poder viver num mundo onde eu não o tivesse, fui tola. Tola de não perceber que o fim já tinha chegado e passado. Então fui golpeada de maneira cruel, mas não doeu. Meu inconsciente sabia que aquilo era o melhor para mim.

Agora, ele me ver bem. Ele não acreditou que pude me recuperar tão rápido. Mas não houve recuperação. Foi um despertar. O golpe me despertou da doce ilusão que éramos nós dois. Embora, há tempos, havíamos deixado de ser dois e eu passara a sustentar todo o peso da nossa relação unilateral. O golpe rompeu as amarras que eu criei para nós, desfez o fio tênue que me ligava a ele e refez o elo comigo mesma.

Agora ele me ver bem e me quer de volta.

Não! Não mais.

Respirar nunca foi tão leve, sorrir nunca foi tão verdadeiro, estar bem nunca foi tão simples. É intrigante até para mim… Eu estou bem!

leilane

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