Eu disse a ela que as pessoas não mudam por alguém, elas mudam por elas mesmas quando entendem que precisam – ainda que de forma inconsciente. Disse que, às vezes, traços de sua personalidade correspondem ao seu caráter e, não, a uma fase. Disse que toda história tem seu início, meio e fim, e por mais que a gente queira não há como prever seu tempo. Disse também que, às vezes, a gente se contenta com pouco achando que é o melhor que podemos ter, mas nem toda escada pode ser feita de topo. Uma pitada de ambição não faz mal. Eu disse a ela que a maior mentira que já lhe contaram é que somos feitos de metades numa constante busca de se encontrar em outro alguém.

Inacreditavelmente, ela concordou comigo. Talvez estivesse mesmo cansada de tentar, de dar corda no velho relógio que ditava quanto tempo já haviam perdido em discussões. Talvez estivesse mesmo precisando ouvir isso em voz alta, ainda que sequer tenha tido coragem de repetir em seu próprio tom.

Semana seguinte nos encontramos no supermercado. Ela estava com ele e me fitou de olhos baixos, sorriso tímido. Fui ao seu encontro, abri os braços, falei do tempo, dos meus planos para o final de semana e o cumprimentei com dois beijinhos e um trocadilho sobre futebol, como sempre. Percebi que a barreira que ela havia criado se desfez. Acho que sentiu-se aliviada por eu não perguntar o que tinha acontecido. Acho que pra ela, ao vê-los, eu já teria entendido o que se passava entre eles. Pra ela, possivelmente todo amor que criara numa escala de quatro paredes podia ser medido pela frequência de seu Instagram. Eu não precisava perguntar, de fato. Sinceramente, eu já sabia.

É culpa dos nossos vinte e tantos anos. Nos tornamos condenados, condicionados. A cada ano que passa aumenta nosso desespero e a expectativa diante de um “oi”. Será que é ele? Quando virá aquele que irá mudar nossas vidas? Quer dizer, vai vir, não vai? Não há nenhuma possibilidade de nos tornamos a nossa tia solteirona do bingo, não é? ALGUÉM tem que mudar essa história.

Diminuímos as exigências de boa conduta, de gostos semelhantes, de condição financeira, de prospecção de família, mas sobretudo, diminuímos a esperança. Vamos nos adaptando no mau sentido, diga-se de passagem. “Tudo bem se ele é ateu e eu católica, posso conviver com isso. Tudo bem que ele é de esquerda e eu de direita, só temos eleição de quatro em quatro anos. Tudo bem se ele é carnívoro e eu vegan, talvez ele possa aprender comigo. Tudo bem que ele queira criar raízes e eu viajar pelo mundo. Quer dizer, ele é bom pra mim em outros aspectos; é isso que realmente importa, não é?”

O que realmente importa é o que é importante pra você. Pode ser uma besteira vista por outros olhos, pode ser subestimado, pode ser, inclusive, mudado. Pode ser o que for, mas o que quer que seja é um fator imprescindível pra determinar quem você é nesse momento e quem você quer ser daqui pra frente. De fato, às vezes, nossas prioridades estão equivocadas, não no ínfimo ponto de vista a qual nos expomos – ou seja, dos outros – mas diante dos nossos próprios planos, sonhos e expectativas futuras. É claro que nos adaptamos, nos moldamos, nos refazemos e, muitas vezes, isso tem relação direta e indispensável da pessoa que estamos juntos. O que nos leva a duas vertentes dos relacionamentos: o aprendizado e o trauma.

A verdade é que mesmo sendo completamente flexíveis, algumas batalhas simplesmente não valem a pena. Principalmente aquela em que você se força a gostar de alguém pelo medo de terminar sozinha. Até porque o MELHOR que pode acontecer é você se apaixonar por alguém que não condiz em nada contigo, com seus princípios, seus valores, tampouco com sua ideologia. Mas “se focar nessas coisas te fazem fútil. Você tem que aprender a gostar de quem gosta de você e, não, esperar por quem você goste.”, eles dizem. Já imaginou quão ruim seria desistir de si por querer alguém? Sabe, isso não é muito diferente de quando existiam casamentos arranjados. Os noivos se conheciam no altar e aprendiam a gostar um do outro com o passar dos anos. Faziam isso porque deviam, porque queriam, e não porque isso os faria feliz. Talvez, naquela época, a felicidade sequer entrasse nos planos de uma vida inteira. Mas se nos condicionarmos a estar com alguém pela falsa necessidade que nutrimos de TER alguém do que isso se diferencia desse tempo?

Não sei, acho muito medíocre o contentamento de meia vida, meia história, meio amor. Acho triste a desistência pela busca, pelo novo, pelo amanhã. Acredito que podemos nos apaixonar centenas de vezes, que isso depende da nossa própria disposição, da nossa força de vontade, e não, de um punhado de receio por não acompanhar o calendário que nos impuseram. A estabilidade que fingimos gostar é traiçoeira, nos faz acomodados, conformados. Honestamente, não entendo pra que tanto desespero em se ter um namorado pra chamar de seu, quando se esquecem de ter um amor pra chamar de próprio.

Sabe a minha amiga? Pois é, engravidou, vai casar. Não duvido que isso seja o que ela sempre quis: ter uma família, tudo conforme manda o figurino. Na verdade, arrisco dizer que é isso que a maioria das mulheres querem, inclusive, eu mesma. Mas o que ela talvez nunca saiba é que não tinha que ser com ele. Nunca teve. Desnecessariamente, ela o escolheu e persistiu. É culpa dos nossos vinte e tantos anos. Nos achamos velhos demais para recomeçar e jovens demais para desistir de quem não nos acrescenta.

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