Se você se apaixonar terá que trocar seus dias por suas noites nuas.
Vai ter que abandonar seu velho relógio de pulso, essa tua maldita lembrança de que corre contra a idade deixado como presente por quem não soube aproveitá-lo.
E aprender a dividir a maior parte de suas horas com ela. Mas ela vai te deixar com a maior parte do tempo; não faz questão de entrar nessa corrida.
Anda devagar porque já teve pressa.
O único tempo que ela teme é usar o pretérito pra conjurar o presente. Que seja agora, mas nunca ontem.
Não se apaixone por ela, senão a risada que você adora vai se tornar histérica, quase louca, quase rouca.
Você vai dar a ela o direito de interferir nos seus males, atrapalhar seus planos. E não ter culpa quando misturar tuas verdades com as delas.
Se não vier para agregar que não venha para substitui-la. Sejam dois ou nenhum, mas nunca a metade do outro.
Ela se faz por inteira das inúmeras vezes em que foi cacos e foi ao chão. Tem um ciúme danado de qualquer carinho feito de cola pra lhe roubar suas ilusões.
Se você se apaixonar, ela vai te enlouquecer com suas crises.
Por vezes, gorda demais, outra hora, magra demais, baixa demais, morena demais.
Não vai te poupar de nem uma ênfase do seu dia-dia ainda que sapateie na monotonia da rotina.
Vão viver de tempestade em copo d’água para transformar qualquer cor a sua volta em arco-íris.
Você deve saber, nada será ruim ou bom, um será apenas a ausência do outro.
Não se apaixone por ela se teme vexame em público, mentiras deslavadas, cara amarrada.
Ela é escandalosa, impiedosa.
Vive nessa hipérbole contínua de amor medieval; quer que seja batalhado, merecido.
Ela gosta do circo, de fazer do coração alheio picadeiro.
Ela vai brigar pelo ardor da recompensa que só a reconciliação lhe traz.
Vai desdenhar seus sonhos pra que não se acomode a superá-los. Tem uma mania estranha de incentivo baseada no caos. Ela é tudo e nada, mas sempre é algo.
Não se apaixone por ela se não estiver disposto a pedir perdão por seus acertos, reverter suas escolhas certas, seus caminhos planos.
Ela samba na tênue linha da contradição. Não se preocupa nenhum pouco em ser sensata; perde todo seu tempo na premissa de ser feliz.
Se não estiver disposto a lutar por ela, não se apaixone por ela, pois tudo que ela quer é que não a deixe ir.
Ela gosta da aflição de qualquer ligação no dia seguinte, das buzinas desesperadas que pra ela ecoam como músicas, das declarações exageradas.
Ela ri baixinho de seus gritos de raiva, de posse, de medo. Ela gosta disso: de fazê-lo sentir medo. Por ela, claro.
Não se apaixone por ela se espera respeitar seu espaço, entender seu momento e deixa-la livre.
Ela não quer ser livre, quer ser tua enquanto se diz ser dela.
E enquanto implora que nunca mais a procure suplica em silêncio que volte.
Ela é dessas que dá o ponto sem nó vive um dia de cada vez.
Seu problema é a esperança. Tem convicção de que vai achar alguém que goste dela do jeitinho que é.
A verdade é que pra ela a paixão em si é muito pouca, muito superficial.
Ela quer mais do que isso, mais do que você possa oferecer.
Ou, melhor, aquele pelo qual valha a pena mudar, diminuir as expectativas e subverter qualquer fantasia de final feliz.
Ela sabe que quando for amor não vai precisar ter fim.