Imagine que você tenha estudado em colégio particular a vida toda – ou boa parte dela. Que você tenha feito os melhores cursos de reforço e/ou de língua estrangeira. Que você tenha tido o melhor acompanhamento profissional na premissa da necessidade de “ter um futuro” criado por seus pais. Imagine que você tenha escolhido cursar por cerca de 5 anos algo que lhe seria rentável financeiramente. Ou que te faria respeitado. Imagine que tenha escolhido racionalmente sem qualquer experiência de vida o curso que lhe disseram ser o certo, que lhe afirmaram ser um mercado em ascensão ou ainda que veio como herança da família e o peso do sobrenome. Imagine que tenha estudado na melhor faculdade particular possível. Tenha feito intercambio e tenha tido acesso aos melhores estágios graças a seu impecável currículo. Imagine que se esforçou duramente durante todos esses anos para ser o melhor ou o mais perto disso que pudesse. E sem se questionar nem por um segundo, manteve-se em constante movimento de suposto avanço. Imagine que se cobrou implacavelmente ter as boas notas que lhe garantiriam o orgulho dos pais e o sossego de dever cumprido. Imagine-se agora formado, aliviado. E que mesmo por trás de todos aqueles sorrisos e parabéns, você saiba que não fez nada mais do que sua obrigação, afinal, você foi criado para isso. Você foi treinado para isso. Você foi ensinado para isso. Você foi adestrado para isso. Você é isso. Você é isso?!

Bom, com seu diploma na mão, seu dinheiro no bolso, sua vida nos conformes: essa é a plenitude. Mas você é plenamente feliz?

A verdade é que poucas pessoas se conhecem de verdade. Aliás, mais verdade do que isso é que poucas pessoas tem coragem de conhecer a si de verdade. Quer ler uma coisa chata? Tem gente que é limitada. Tem gente que não enxerga, não SE enxerga; não consegue. Tem gente que nasceu pra ser condicionada, domesticada. Tem gente que simplesmente é limitada. Soa mal falar assim, não é? Mas eu não escrevo nenhum conto de fadas. Francamente, nem quero. A questão é que não tem problema algum nessas pessoas. Não tem equívoco algum em ser limitado. Cada um dar o que tem, e quanto antes formos capazes de aceitar isso, mais fácil se torna a convivência com os demais. Não importa quanto tempo, esforço e paciência você empregue pra tornar alguém aquilo que VOCÊ considera correto, ele não vai ser se não quiser. Se não puder. Está além das possibilidades dele de controle e da força de vontade do querer. O resultado é uma febril luta de murro em ponta de faca. Saber a hora de desistir, de aceitar, é mais importante do que a ânsia de continuar.

Então, vejamos: há quem tenha sua vida nos conformes, tenha agido conforme manda o figurino desde o bê-á-bá, tenha andado na linha e tido tantos pecados quanto qualquer outro. E, sim, sinta-se plenamente satisfeito, realizado. E agora se veja como alguém apto a criar seus filhos exatamente da mesma forma: pra ser alguém na vida. Porque “ser alguém” pra eles, nada mais é do que ser financeiramente estável, socialmente imaculado, religiosamente pecaminoso, indubitavelmente certo. Plenos.

E sabe o que eu tenho pra falar deles? Nada. Essas pessoas não me inspiram à nada, nem mesmo à um breve diálogo.

Eu quero falar das pessoas do outro lado. Os errados, errantes, distantes. Eu quero falar de sonhos, de quem largou os estudos pra perseguir seu coração. Quero falar de quem deu a cara à tapa em debates que sabia que ia perder. Quero falar de quem escuta opiniões que lhe confrontam. Quero falar de quem acorda todos os dias se perguntando PORQUE está aonde está. Quero falar de quem está vivo. Assim sendo, persiste, insiste, anda na corda bamba, desafia o muro, mas não sobe em cima.

É muito fácil seguir a linha, por menos que pareça. É como fomos ensinamos, é o plano de vida tido como correto, inquebrável, que vai lhe garantir esse conforto. É isso que é: confortável. É confortável não pensar por si só, não confrontar seus superiores. Ter suas opiniões mastigadas pelas redes sociais. Ter seu conhecimento extraído do jornal de ontem, seus debates forjados por considerações omitidas. Respostas na ponta da língua que se parar pra pensar sequer sabe da onde vieram. Aliás, não sabe da onde veio a si mesmo. Sem os ditos e tabus que a sociedade demanda, quem seria? Se não tivesse quem lhe dissesse em primeira instância o que fazer, como realmente reagiria?

Sabe o que é difícil de verdade? Se desapegar da ideia de que os sonhos vem de mão beijada. De que o destino – ou Deus, como queira – controla tudo de bom que aparece em sua vida. De que “o que tiver que ser, será”. Corta esse papo! O que tiver que ser depende de você, do seu esforço, do seu empenho, do seu tempo. Eu costumo crer que se você quiser muito uma coisa e fizer por onde conquista-la TODOS OS DIAS, você vai conseguir. Porque, pra mim, é muito obvio que seja assim. Mas, claro, pode ser que não dê certo. E para que você não se frustre, é legal acreditar que as coisas tem um tempo certo pra acontecer ou que é escrito certo por linhas tortas ou, sei lá, água mole e pedra dura, tanto bate até que fura. Particularmente, considero esse pensamento uma tremenda passada de mão na cabeça. Um baita consolo.

As pessoas não te ensinam a correr atrás do que você quer ou sequer lutar pelos seus direitos. Elas não te ensinam a se desapegar, se confrontar, se conhecer. Elas te ensinam a ser passivo, quieto. Te ensinam à aceitar o que lhes convir, engolir o choro, engolir sapo. Engolir a si.

Louvados sejam os loucos, inquietos. Aqueles dispostos a largar tudo que for passível, tocável, real. Aqueles que deixam pra trás tudo que amam, abandonam qualquer laço. Aqueles que são também egoístas, e incansavelmente vão atrás do que lhes fizer feliz sem se importar com o que pensam as pessoas ao seu redor. Porque, sejamos francos, essa vida é muito curta pra que ainda tenham que dividir com a opinião dos outros.

Louvados sejam os loucos, inquietos. Aqueles que apostam em suas próprias qualidades, mesmo diante do seu muro de defeitos. Aqueles que não medem esforços porque não aprenderam a limitar-se. Aqueles que não deixaram morrer o desejo de infância, aquela profissão de alma, aquele amor inocente. Porque, sejamos francos, essa vida é muito fugaz pra que percam tempo com o que – ou quem – não lhes acrescente.

Louvados sejam os loucos, inquietos. Porque eles tem medo de se conformar, de se acomodar, de ficar sempre à margem de si mesmos. Porque eles nasceram insatisfeitos, incomodados, adversos. Assim sendo, não aceitam a ideia da plenitude infundada, da felicidade concreta. Eles buscam, entre acertos e tropeços, o que lhes fizer palpitar o pulso, acelerar o coração. O que lhes confundir as ideias, apertar a barriga, bambear as pernas.

Que não desistiram no primeiro obstáculo, que não buscaram qualquer apoio. Que destoaram qualquer realidade à seu favor e que caminham lado à lado com a saudade. Que não se fazem imunes aos contratempos, mas se dão um tempo pra perdoar. Que não tem medo da vaia, do fracasso, do acaso.E abominam a ideia do correto, do perfeito. Porque, sejamos francos, essa vida é muito instável pra que se cobrem tantas certezas inventadas.

Louvados sejam os loucos, inquietos. Porque nasceram livres. E ter um sonho não é utopia; é loucura, é liberdade.

Então, você é plenamente feliz?

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *