Tarde cinza de outono, chuva suave, melodia equalizada, janelas nubladas e uma mesa vazia com uma toalha florida cobrindo-a. Almofadas jogadas no chão assistem um televisor mudo, ligado a um dvd empoeirado na estante.

Janelas embaçadas sem sinais de dedos ou desenhos. Livros intactos na estante e marcadores caídos no chão. Chaleira pequena sobre um fogão, que queima saudades e exala uma fumaça tímida, que em pequenas doses misturasse ao céu tempestuoso.

O banheiro quente acolhe um corpo não revelado pelo nevoa vaporizada de longos minutos de reflexão silenciosa. Pelas frestas da porta do guarda-roupa de marfim exalam-se as fragrâncias do velho frasco de perfume.

O armário da cozinha esconde um segredo… O composto de ervas cítricas, sempre preferido em tardes de inverno. Num compartimento secreto deste mesmo móvel, estão nossas xícaras, com as velhas tatuagens: Love me… e Hold me…

Na varanda o velho telescópio já sem uso, pois nossas estrelas já foram todas catalogadas, e no hall de entrada balançam agitados os penduricos comprados em viagens ao litoral. O quarto de hóspedes guarda a velha escrivaninha e o mesmo computador branco que funciona somente em dias quentes… Na parede o desenho de uma partitura sem conjugação.

Na lavanderia sapatos velhos e solitários guardam memórias de passos cúmplices e aventureiros. No criado mudo ao lado da cama uma agenda telefônica de capa dura esconde um número circulado por um coração. No tapete ao lado da cama alguns fios de cabelo comprido, que não foram sugados pelo aspirador da ausência.

O aquário sem peixes enfeita parte da sala de jantar e a parede ainda guarda o quadro de fotos amarelas, mas já sem molduras, corroídas pelos cupins da solidão. Sob o sofá encontra-se a câmera digital com a memória descarregada e conectada ao velho notebook sem bateria.

O velho balanço com dois lugares está vazio no jardim e embala lentamente apenas as lembranças e o velho cobertor cheirando mofo, ali esquecido… A casinha de cachorro tem apenas TED no enunciado acima da porta. Do velho jardim de rosas carregadas de nossas aventureiras mutações florísticas resta apenas um exemplar.

A dobradiça do portão de entrada está quebrada e ele fica pendurado quase caindo sobre o tapete coberto pelo barro, mas que ainda deixa claro a escrita “Home Sweet Home”. O velho carvalho do lado de fora sem folhas aguarda silenciosamente a passagem das estações com a esperança de voltar a florir. E eu visto meu melhor sorriso esperando que você volte neste inverno para tomarmos uma xícara de chá quente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *