Aprendi um velho truque na infância sobre superação: eu escrevia o que eu sentia, depois interpretava idealizando um amigo, um ídolo, um sonho – como um discurso de agradecimento por prêmios. Um segundo depois eu já não sentia mais nada. Funcionava. E por isso o levei comigo durante anos. Eu dei vida a minha solidão, dei próclise, onomatopeias e hiatos. Qualquer que fosse minha dúvida, meu medo, meu anseio, por maior que fosse, por pior que fosse, não passaria de um rascunho no papel. Ínfimo, irrelevante. Depois transformava-se em um travesseiro, uma porta ou um computador. O que quer que estivesse na minha frente presenciaria toda dramaturgia ensaiada de minhas dores expostas.

Sendo assim, você já deve imaginar como cheguei até aqui; até o ponto de narrar nossas histórias para saciar essa minha mania de conclusão. Não posso evitar, sempre idealizei o nosso desfecho. Não me entenda mal, eu não desejava que fosse assim. Mas, meu bem, com o tempo a gente aprende a não acreditar mais no tempo. Aprende que o passado é uma questão de perspectiva já que sempre tem quem o faça vir à tona, e que o presente é uma questão de força de vontade, logo, sempre tem quem o esqueça e não lute por ele. Quanto ao futuro, não é preciso deixa-lo nas mãos de ninguém. Nem nas minhas, quem dirá, nas tuas. Na verdade, já que toquei nesse assunto, o segredo está em abrir mão dele. Ou melhor, do nosso.

Não me entenda mal, eu não desejava que fosse assim. Mas aprendi a me preparar para o pior mesmo esperando que o melhor aconteça. Me desculpe, mas isso não é ficar em cima do muro. É simplesmente não designar lado a um coração tão maltratado. E, olhe, você ainda tinha coragem de me chamar de fria! E eu bem sei que em certas manhas não lhe poupei das amarguras que guardava no peito. Sem aparente motivo algum, confesso, lhe cuspi deboches, insinuações e prosa. Você se contorcia, se exaltava. Minha recompensa era te ver horas depois pensativo, cansado, se perguntando o que tinha feito de errado para ser amaldiçoado pelas minhas infelicidades.

Não era culpa sua. Quer dizer, talvez fosse criação sua. Mas culpa? Culpa mesmo, não. Aprendi que não se pode culpar alguém por não te amar como acha merecer. De qualquer forma, quanto a isso não guardo qualquer rancor. Até porque eu não aceitei o pouco que você me oferecia. Eu tentei, eu juro que tentei. Podia ter sido mais fácil se eu não me considerasse tão merecedora. Isso! Esse definitivamente era o meu problema: eu me achava digna desse romance de filmes. Por isso, aprendi a distorcer a realidade pra cumprir minha vontade de que era aquela por quem você mudaria. Mas nem todo ponto final transformado em vírgula e toda dúvida em exclamação puderam evitar o óbvio; ser feliz só acontece no final.

O mais engraçado é que o nosso fim não foi o final de nós dois por mais que tenhamos acreditado, se esforçado, se evitado. Nosso fim era inevitável. Um misto de alívio e agonia de sumir com a nomenclatura que nos perseguia por anos. Já o nosso final foi premeditado. Por mais que tenha parecido que de todas as coisas me sobraram só as metades, de todos os olhares só a compaixão, de todos os caminhos, a dúvida. Eu não acabei ali; eu nasci. Não me entenda mal, eu não desejava que fosse assim. Eu realmente quis acreditar que nossa história fosse diferente, capaz, exceção. Que batalharíamos por algo concreto, palpável, real. Mas aprendi que por mais que a gente queira que algo aconteça, não depende exclusivamente do nosso esforço. Às vezes, é uma questão de perspectiva: nem toda escada pode ser feita de topo.

Abandonei minhas lembranças; aprendi que proferir o passado não é auto afirmação do que se é hoje, é covardia. Desnecessário é se orgulhar de ser inflexível, imutável. Se eu fosse a mesma sequer seria eu mesma durante todos esses anos. Eu colhi a coragem retraída em cada gole em seco. “Vai chegar o momento”, dizia pra mim mesma. Não me leve a mal, eu não desejava que fosse assim. Mas a gente cansa de esperar iluminar quem nos faz de sombra. Aprendi que tem gente que, simplesmente, não sabe quem tem ao lado. Que se contenta com carinhos e falso incentivo monogâmico. Dispensa o desafio do confronto, do mais, do tudo. E, principalmente, do nada. Do silêncio em que o constrangimento não faz morada.

Aprendi que você gostava do conforto de pensar “se já está bom, por que mudar?”. Me desculpe, meu bem, mas sempre fui inconformada. O nosso fim era inevitável. Eu vivia a beira do abismo entre tudo que eu podia ser e tudo que você me permitia ser. Sempre tive asas, mas só aprendi a voar quando me livrei do peso de pensar que eu não podia ter nada melhor do que já tinha. Ou alguém. E eu tive: eu mesma. E se agora te escrevo é porque não sinto mais nada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *