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Eu tinha a quem culpar – um privilégio que nem todas alcançam. Mas, assim como tantas outras, ainda estava na linha do quase. Eu era a quase namorada. Logo eu que sempre fui verão em dias frios, a gargalhada constrangedora no silêncio, era agora pura inércia à espera de um eminente empurrão. Mas a culpa era dela, não minha. Quero dizer, sempre que estávamos bem, ela surgia com algum apelo inexplicável e ele cedia. E eu não disfarçava o incômodo da interferência, nem a exposição da minha carência quando ele pedia para que eu não me afastasse. No fundo, essa era a parte boa: ouvir que se ele voltava por mim era amor, mas por ela era pena. Mesmo que nada justificasse essa diferença.

Eu queria ser a protagonista do romance que criei pra dar vida a mais um dilema, e no entanto, sempre tinha meu brilho ofuscado por uma representante de quinta do seu passado. Mal podia acreditar na audácia que ela tinha de vir à tona. Minha vontade era de lhe dizer que ela teve sua chance, que não tinha o direito de tentar me roubar a cena. Ela não sabe por quanto tempo ensaiei tantas dores para que enfim pudesse sossegar na hipótese de um amor tranquilo. Sua insistência em se fazer uma concorrência me invadia em um misto de admiração e repulsa; ela tinha que aceitar que era passado, e eu o futuro dele.

Eu estava convicta de que se ela não existisse, já teria sido contemplada com a exatidão da nomenclatura. E por causa disso demorei a perceber que ela era só um pretexto. Era ele que não assumia as responsabilidades do presente. Era ele que, possivelmente, tinha um medo danado de se envolver novamente e usava a suposta consideração que tinha por ela – e que lhe fazia estar à postos a qualquer sinal de desapego – para adiar a decisão de seguir em frente. Era ele que nutria um sentimento munido apenas de boas memórias ao invés de enterrá-lo. Ou era ele que, simplesmente, ainda gostava dela e tentava esquecê-la comigo. Mas se ele queria estar com ela, por que dizia que me amava? Ou pior, se ele queria estar comigo, por que ainda estava disponível pra ela?

Ledo engano acreditar que se não demos motivos para o fim, isso significa um começo. Descobri que todo “quase” tem uma razão para permanecer do hiato do compromisso: ser exemplar com alguém é uma questão de caráter, e não uma fórmula incontestável para um relacionamento dar certo. Às vezes, a gente se esquece que amor não se trata da gente, mas de tudo que a gente emana, progride, cuida. Por mais que estivéssemos apaixonados, ainda assim, isso era quase tudo. Quase. Mas não o suficiente.

Então, eu tinha a quem culpar: ele. Que não foi homem suficiente pra terminar um relacionamento sem deixar um rastro de esperança ou que não foi homem o bastante para tentar consertar uma relação e abraçar a possibilidade que, se lá na frente não der certo, pelo menos ele tentou. Ele que havia me colocado na geladeira enquanto decidia se valia a pena ou não desistir da ex para namorar comigo. Ele que nos fez de fantoche em seu show de drama. De maneira alguma eu me daria o trabalho de tentar eliminar a concorrência, de passar a perna nela. Eu queria ser escolhida por vontade própria, por amor, e não, por falta de opção. Por isso, honestamente, eu não pude fazer nada. Deixei-o livre e, de quebra, também me livrei da pressão de pensar que havia algo de errado comigo. Enquanto houvesse respeito, eu poderia ser tolerante. Enquanto houvesse respeito, eu não estaria submissa.

Quando a gente se envolve com alguém tende a pensar que tudo sobre ele nos pertence: a família, os amigos, e principalmente, o passado. Mas não é assim que funciona. Todo mundo traz uma bagagem de decepções, traumas e expectativas, e cada qual sabe o peso que ela tem. Uns sucumbem a dificuldade de arrastá-la diante do tempo e decidem por dividi-la, já outros, aceitam o fardo de suas escolhas e tentam carrega-las a punho. E quando pedimos que alguém se desfaça se suas cargas por nós é como se disséssemos que não toleramos a quem tenha se tornado. Somos egoístas, mas sobretudo, somos mera consequência do acúmulo de nossas atitudes. Não temos páginas em brancos, e nosso cronômetro não começa do zero. Aliás, na maior parte do tempo, nos sentimos atrasados para sermos felizes. Algumas vezes, só nos resta aceitar a nossa incapacidade de controle. Em outras, só nos resta torcer para que sejamos suficientes para alguém. Se somos inteiros não merecemos ser tratados como o “quase” ou, tampouco, a metade de ninguém.

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