Pra quem não sabe, eu trabalho com eventos. Pra quem não sabe o que são eventos são trabalhos temporários que não exigem de você muita coisa além de beleza, altura, postura, simpatia, pelo menos uma língua estrangeira, pés de aço, se alimentar de alpiste, ter as unhas e o cabelo impecável, sorrir até se levar um murro na cara, não dormir, não sentar, ter proatividade, dinamismo, barriga negativa E SÓ. Basicamente, você só precisa disso pra entrar nesse ramo, caso você cogite. Mas não era isso que eu ia falar. A questão é que quando eu estou em uma dessas posições vulneráveis – digamos assim – em que não posso expelir meu verdadeiro eu pelos pulmões (ou punhos) as pessoas sentem-se incrivelmente à vontade pra falar sobre a vida delas. Em outras palavras, trabalhar com eventos também é ser divã pra doido. E, pra mim, essa é a melhor parte – depois do dinheiro, óbvio.

Sendo assim, dia desses, chegou uma menina pra mim acompanhada de seu amigo gay e disse:

“Oi! O que tem pra fazer hoje na cidade?”

Antes de responder, eu me perguntei onde aquela criatura havia visto que de repente eu era guia turística. Mas como a boa samaritana que sou (alô, vaga no céu!) prontamente me dispus a ajudá-la.

“Hum… Depende, você gosta de que?”

“Pra que cê vai sair de casa com aquele homem doido por ti lá?” – diz o amigo gay.

“Ai meu deus, você sabe que eu não posso.”

“Besteira, ele não vai saber.”

Enquanto isso, eu faço ouvido de mercador e fico pensando se vai demorar muito pra eu poder comer.

“Mulher, olha, tem um homem lindo lá na minha casa que foi só pra vê-la e ela não quer ficar com ele, tu acredita?” – o amigo insiste em me prender a conversa.

“Ah, é? E por que você não fica com ele, ué?” – Ok, eu me rendo. Sempre adorei um Casos de Família.

“Porque eu sou noiva.”

“E cadê seu noivo?” – Faço minha melhor voz de Regina Volpato pronta pra me rebelar e me transformar na Márcia. Eu já estava me coçando pelo barraco, confesso.

“Em Pernambuco. Eu sou de lá, tô só passando o final de semana aqui. “

“Ela é muito é besta! Devia agarrar logo” – gay esbaforido.

“E ele não veio por quê?” – Já não consigo mais conter minhas perguntas.

“Porque ele teve que trabalhar.”

“E vocês casam quando?!”

“Ah, só daqui uns dois anos.”

“E estão juntos há quanto tempo?” – Ok, uma hora dessas eu já nem queria mais saber de trabalhar.

“Há uns quatros anos.”

“hum” – Findo meu interrogatório e finjo voltar ao trabalho.

“O que você faria?” – a dita me pergunta com os olhos brilhando.

“Eu no teu lugar?”

“É. Você ficaria com esse cara?”

“Ele é bonito?” – DESCULPA, SOCIEDADE, EU SOU FUTIL!!!

“É muito gato! Gente boa, gostoso.”

“Cara, não sei… Depende da forma com que você vê seu relacionamento.”

“Como assim?”

“Tem gente que considera traição imperdoável, mas eu acredito que há coisas piores. Tudo bem que uma coisa não exclui a outra, mas, sei lá. Não me parece o pior dos pecados.”

“É, verdade…” – Vejo fumacinhas saindo da cabeça dela. Ela está se esforçando pra acompanhar.

“Às vezes, você tem tanta convicção do que sente pela pessoa e de como quer tê-la ao seu lado que isso é mais importante, sabe? Eu prefiro compromisso à fidelidade. Não que eu não goste de fidelidade, eu gosto, claro. Mas compromisso é aquilo que não te faz pensar em outra pessoa. Compromisso é cuidado, proteção, prioridade. Fidelidade, pra mim, é adestramento. Às vezes, eu prefiro nem saber certas coisas. Nunca vou atrás pra não encontrar.”

“E ele nunca iria saber…”

“E pode ser que não mude nada entre vocês e, até mesmo, fortaleça o que você sente por ele por ver que não encontra ninguém igual…”

“ÉÉÉÉ..!”

“Mas, claro, pode significar o contrário também. Você pode descobrir que há muitas outras coisas que gostaria de fazer e conhecer, mas já está se prendendo. E, essa descoberta, pode pôr tudo a perder, principalmente, quando se trata de uma simples vontade da qual você não pôde controlar. Você sabe as consequências, basta saber se quer arriscar.”

A essa altura, o amigo gay já estava de boca aberta e pipoca na mão. Ansioso pro final do nosso debate e saber o que afinal ela escolheria fazer.

“Entendo, mas o que você faria no meu lugar?”

“O que você quer fazer, de verdade? Se não houvesse ninguém pra te julgar?”

“Você ficaria?”

“Não sei.”

“Diz, mulher, diz logo. A gente nunca mais vai se ver!”

“Eu ficaria.”

Ela agradeceu e saiu saltitando com uma garrafa de vodca debaixo do braço e toda irresponsabilidade infantil pairando sobre seus planos.

Eu não ficaria, mas não diria isso a ela. Eu vi o que ela queria ouvir e dei corda. Fui advogada do diabo, confesso. Não sei se ela entendeu bem o que eu quis dizer. Não sei se eu sequer me entendi naquele momento. As coisas faziam muito mais sentido dentro da minha cabeça do que expostas pro mundo. Mas acontece que, na verdade, eu não pude decidir por ela como pareceu. Ela já sabia. No fundo, ela sabia. Talvez, soubesse até mesmo quando aceitou se casar. Talvez, soubesse muito antes de namorar. Às vezes, a gente toma o caminho mais fácil, aquele que já foi pintado na nossa frente, porque tem medo que não haja outro.

Eu queria ter dito mais a ela. Queria ter dito que a vida não é uma corrida, ela não precisaria casar com o primeiro que pedisse. Queria ter dito que se alguém, por algum motivo, lhe despertasse um interesse maior do que a pessoa que ela estivesse, POR QUE ela não poderia tentar? Queria dizer que não existe essa de alma gêmea, pessoa certa, nem destinados. Que ela era tão dona do seu futuro quanto eu naquele momento. Queria ter dito a ela nem todo amor tem a sorte de ser eterno. Ela poderia amar a quem quisesse, da forma que bem entendesse, se não temesse que houvesse fim. Queria ter dito que há 7 bilhões de pessoas no mundo; como ela pode saber que ele é o certo sem conhecer as outras? Mas o coração sabe, e a gente nunca se aventura desse jeito. É tudo uma questão de escolha e, não, de sorte. Queria ter dito que o mais importante é que não falte amor pra cada recomeço.

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