Caro Coração,

Como você é burro! Eu te pedi tantas vezes que não se deixasse levar. Como se atreveu a engolir as cicatrizes que o passado já nos pintou? Você deveria me proteger, e não o contrário. Não me culpe pelo impulso da intuição que te fazia disparar, eu quis mais do que ninguém acreditar que fosse verdade. Quando comecei a namora-lo você devia ter me avisado, ainda não era tarde demais. Mas você relevou as minhas dúvidas de um futuro a dois na calma em que se moldava ao vê-lo. Pensei que estivesse do meu lado. Eu confiei em você, e você confiava nele.

Não sei, mas às vezes me pergunto se não fui eu que te entendi errado. Se toda vez que se apertava e uma pontada me invadia o estômago tentava me alertar do que estava por vir. Talvez, no fundo, você já soubesse que seria assim. Mais uma vez. Mas, você sabe, o meu problema é a esperança. Sempre foi. Eu continuo achando que por encontrar alguém que goste das mesmas bizarrices que eu posso chama-lo de amor. Ou pior, eu posso chama-lo de meu.

A questão é que quando eu precisei que você gritasse, você esteve colado ao céu da minha boca imóvel. Te sentir contrair tão perto de sair me fez lacrar os lábios com o maior dos silêncios. Eu não queria perde-lo pra ele, mas o perdi pra mim mesma. Ignorei a sentença de desastres calculados pra te ouvir suspirar por mais um pouco. Não entendo porque a tão rara paz que eu sentia contigo ainda alimentava meus sonhos. E o pior é saber que você poderia ter parado ou me parado. Você poderia ter feito mais ou, ao menos, algo. Se tivesse falado, eu teria te escutado.

Tudo bem, não seria fácil assim me convencer. Confesso que eu iria duvidar de ti, à princípio. Mas você não pode me culpar. Ainda guardo os cacos do orgulho que quebrei pra te livrar da dor do arrependimento. E as promessas cíclicas de que nunca mais faria isso de novo até quando terminasse o dia. Sabe, não dá pra esquecer as frustrações que te talharam daquelas coisas que não dizemos mais. Mas com o tempo eu teria acreditado em você, mesmo com raiva, mesmo distante: eu teria acreditado em você. Você poderia ter me poupado do trabalho de selar teus buracos com lágrimas. E grandes potes de sorvete.

Sinceramente, eu ando um pouco cansada de remendos. Gostaria de poder desistir de ti, dos teus inconsequentes palpites, da tua vibração atordoante. Gostaria de poder deixa-lo quieto, calado, assim como se manteve quando eu me despedacei de esperança. Gostaria que não se esquecesse do que sentimos agora. Desse ardor no peito, essa mania de não ver jeito. Porque não há fita adesiva no mundo capaz de consertar a bagunça que você fez. Ando cansada de driblar seus vazios com vodca, e entornar chocolate como se fosse água pra te sentir bater tão distante de mim, e tão perto dele.

Eu só queria que você fosse mais astuto, até mesmo mais desconfiado. Não se pode amar alguém pela forma com que sorri, nem mesmo pelo emaranhado de seus cabelos ao vento. Não se pode amar alguém por meia dúzia de desejos platônicos e meia grama de atitudes reais. Nem pelo grave da sua voz nas manhas de chuvas e tampouco pela cor dos seus olhos quando reflete o sol. Não se ama alguém por fora, por cima, por pouco. Se ama por inteiro, coração. Eu já te pedi tantas vezes pra que não confunda amor com paixão…

Você deveria me proteger, e não o contrário. Talvez, secretamente você sabia que devia ser assim. Eu precisei aprender a surfar nas piores ondas para nadar na calmaria com o menor dos riscos. Talvez, você tenha premeditado tudo. O encontro, o impulso, o medo, o beijo. Talvez, se não fosse assim eu continuasse a crer no perfeito, no certo. E não desistisse de encontrar a metade que nunca me faltou. Mas agora, por fim, eu aprendi: não te troco por nenhuma jura, nem te divido com ninguém mais que não se doe por inteiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *